Monday, July 07, 2008

represando o tempo

Tenho transcrito em pensamentos palpáveis as abstrações mais intensas de minha vida. E neste momento, veio-me com imensa força a verdade mais cristalina sobre mim mesma. Eu teimo em repetir a infância, o amor maior e a acolhida sem tamanho. É como se pela vida afora eu me visse insistindo em vestir aquele mesmo vestido velho, que reluzia tanto da primeira vez em que o vesti. Como se eu quisesse represar o tempo, impedindo suas águas de inundar inevitavelmente a minha cidade habitada por tantas lembranças tenras. Como se me machucando, eu podasse minhas asas, mesmo sangrando, para que o amor não me deixasse...com as mãos trêmulas e a vista enevoada, sentindo espirais em minha cabeça, eu digo que não quero partir, ciente de que me é impossível ficar. A medida do possível me remete ao escuro de mim mesma e ao mais cintilante, que haverá de chegar fatalmente. Tenho medo de que estas pessoas deixem de existir nalgum canto de mim, e sei que ao partir, eu terei de silenciá-las de alguma forma, para que este maior amor não me mate. O amor quando é imenso como este pode até matar. Matar o que eu seria se fluísse com o tempo e não tentasse desesperadamente me apegar ao que deve ficar porque pertence a seu próprio lugar, e não a mim. O meu pai... o meu pai... o meu pai...

Tuesday, December 25, 2007

Intrusao

Amanda, me permites a intrusao?

Estou lendo Memoria de Elefante de Antonio Lobo Antunes. Fascinante:

António Lobo Antunes (Lisboa, 1 de Setembro de 1942) é um dos mais importantes autores da literatura portuguesa do século XX.

Muitos dos livros de António Lobo Antunes referem ou reportam-se a todo o processo de passagem do fim do Estado Novo até à implantação da Democracia. O fim da Guerra Colonial, o fim de um mundo burguês marcado por valores conservadores e retrógados. Os problemas de mudança social rápida no 25 de Abril e consequentemente a instabilidade política vivida em Portugal. Esse processo de passagem é espelhado nas relações familiares. Regra geral aparecem nos romances deste autor famílias disfuncionais em que o indíviduo está a perder os seus referentes, em que a comunicação é ou nula ou superficial entre os seus membros. Regra geral os anti-heróis dos seus romances são pessoas que exercem profissões liberais oriundos de "boas famílias". António Lobo Antunes nasceu em Lisboa, em 1942. Estudou na Faculdade de Medicina de Lisboa e especializou-se em Psiquiatria. Exerceu, durante vários anos, a profissão de médico psiquiatra. Em 1970 foi mobilizado para o serviço militar. Embarcou para Angola no ano seguinte, tendo regressado em 1973. Em 1979 publicou os seus primeiros livros, MEMÓRIA DE ELEFANTE e OS CUS DE JUDAS, seguindo-se, em 1980, CONHECIMENTO DO INFERNO. Estes primeiros livros são marcadamente biográficos, e estão muito ligados ao contexto da guerra colonial; imediatamente o transformaram num dos autores contemporâneos mais lidos e discutidos, no âmbito nacional e internacional. Da sua obra - Explicação dos Pássaros, Fado Alexandrino, Auto dos Danados, As Naus, Tratado das Paixões da Alma, A Ordem Natural das Coisas, A Morte de Carlos Gardel, O Manual dos Inquisidores, O Esplendor de Portugal, Exortação aos Crocodilos, Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura, Que Farei Quando Tudo Arde, Boa Tarde às Coisas Aqui Em Baixo, Eu Hei-de Amar uma Pedra, Ontem Não te Vi em Babilónia e em 2007, o seu último romance O Meu Nome É Legião – constam, ainda, três volumes de crónicas. Todo o seu trabalho literário, com o passar dos anos, tem sido utilizado para os mais diversos estudos, académicos, e de vários prémios, nacionais, por exemplo, por duas vezes, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa, e internacionais; entre estes, destacam-se o Prémio Europeu de Literatura (Áustria), o Prémio Ovídio (Roménia), o Prémio Internacional de Literatura da União Latina (Roma), o Prémio Rosalía de Castro (Galiza), o Prémio Jerusalém de Literatura, o Prémio Iberoamericano das Letras José Donoso e o Prémio Camões.

Densidade

Lobo Antunes tem uma escrita densa. O leitor tem algum esforço de leitura porque, por exemplo, não é raro haver mudanças de narrador e assim o leitor tem tendência a "perder o fio à meada". No entanto apesar de não ser um autor que opte por uma escrita fácil (ou facilitista) Lobo Antunes constitui um fenómeno de vendas e é muito lido internacionalmente, especialmente na Europa Continental.

Mudança de narrador

Na esteira de James Joyce ou de "The Sound and the Fury " de Faulkner, o narrador é por vezes trocado, como se o ponto de vista saltasse de personagem em personagem. Isto dá uma qualidade de caleidoscópio ao desenrolar da narrativa.

Obsessividade

Os livros de Lobo Antunes são muito obsessivos e labirínticos dando um tom geral de claustrofobia e paranóia às suas obras. Apesar disso as suas obras apresentam uma diversidade linguística notável.

Sintagmas nominais complexos

Ocorre muitas vezes numa descrição ou pensamento do que está a acontecer a um personagem aparecerem sobrepostos tanto o que está "realmente" a acontecer como uma realidade imaginária. Outros processos típicos são sintagmas nominais complexos como por exemplo "cachoeira dos pulmões". Aqui os substantivos (S1 de S2) não funcionam da maneira habitual em que S2 atribui propriedades sobre S1 ("copo de água"; água está a especificar o conteúdo do copo) mas funcionando este sintagma como uma metáfora ou como uma comparação. (assim esta imagem seria descrita num português mais habitual como "os pulmões fazendo barulho como uma cachoeira"). Em As Naus, um velho cego tem "olhos lisos de estátua"; em Manual dos Inquisidores, uma luneta é descrita como sendo "um tubo de inventar planetas".

Simultaneidade

Tipicamente ocorrem várias descrições simultâneas, tanto físicas como de pensamentos. É habitual uma realidade do passado estar misturada com uma realidade do presente. No meio de um diálogo serem inseridos diálogos imaginários ou do tempo passado. Estes processos são usados com mestria por este autor resultando efeitos de grande valor literário.




Espero que voce goste.

Monday, December 17, 2007

a mulher oculta em mim

A hesitação mais verdadeira transfomou-se certa de que haveria caminho e clamou: -Deixem-me passar. A não certeza, nunca-certeza de saber quem se poderia ser concretamente. E mais uma vez: Quem sou eu? A felicidade me deseja como a um amante desgarrado e, sendo assim, eu sou feliz. Mas quem seria feliz antes de mim? Quem é esta que me sorri do espelho? Esta vida é minha, mas minha sendo aquela que sou feliz. E a outra de mim? Onde andará? Aquela que sonha e sangra fatal? Este vazio ainda persiste em algum lugar. E ele sempre persistirá? O que me falta se possuo a felicidade, tão gloriosa? Crescer, será mudar de identidade? Este homem bom que acalanta é aquele mesmo que sempre esperei... mas me falta a mulher que sou, que sonhei encontrar em algum lugar de mim. É esta que me tormenta com a sua ausência e é por ela que ainda tenho febre. Adormecida restará e ela me reclama uma própria vida. Acorda! Desperta, dor! Desperta, para que a felicidade te reconheça como irmã! Como bem reconhece este homem tão antigo quanto és oculta em mim.

Wednesday, August 15, 2007

SUPERNOVA

- Te disse que viria aqui pela última vez, eu disse...não sei . acaso você não estaria me esperando? eu te disse que tentei ficar longe e fugi de você o quanto eu pude. sabe, eu tenho medo...medo de que eu seja aquilo que realmente você previu que eu seria. e por isso, me veio este impulso de proteção. eu te evitei. e tanto e tão forte. eu busquei a superfície de tudo, o raso sem-dor...tenho vivido esta vida de ser boa e você não acreditaria o quão boa me tornei eu não ser eu mesma. eu te disse que fugiria de mim, não disse? sei, mais do que nunca, que nada do que está à minha volta é responsável por aquilo que trago dentro do peito...nada. e você sempre soube disso, não é mesmo? mas é que eu estava tentando travestir minha alma, encaixá-la na superfície-como eu desejei poder respirar. mas não. é chegada a hora de ser. e serei. feliz. no processo. serei feliz no momento. muito feliz. feliz com os pés no chão. feliz no raso e no profundo. acaso já não disse? é que precisava vir aqui mais uma vez...antes da metamorfose. deixar fragmentos com você para que eu possa me reencontrar quando for nova. cintilante. quando for nova e cintilante, quero que você me fale da outra, que foi velha antes que eu viesse, bem antes mesmo de supor que poderia ser fresca. quero que você me mostre essa mulher que fui antes de mim. para que eu possa voltar aqui. mais uma vez. e te encontrar. e poder te dizer que a supernova virá agora, ainda mais cintilante. para que você me apresente aquela que foi fresca antes mesmo de mim. para que eu possa recordá-la no abismo das outras diversas que vagam incessantemente por dentro, como aquelas que me abandonaram para se abrigarem em seu peito. tal qual você me disse que haveria de ser. assim.

Wednesday, July 04, 2007

A luz de Maria

Am I really changed?

fazia calor. o dia reluzia
e era luz, luz que espraiava
toda agonia
que já não havia,
que já não se queria.

reluzia o sorriso de maria,
porém maria reluzia?
reluzia o azul do seu vestido,
mas reluziria maria?

maria era outra,
bem mais forte.

maria já havia vencido bem mais que a morte.

e em plena luz do dia, reluzia, sem pudores o seu coração.

no entanto, algo ainda existia
que não reluzia,
que não reluzia?

o que seria?

e maria se perguntava:
-mas, como? se outra, viva e voraz, sou eu agora?

e a luz do dia lhe responderia:
- calma, maria, calma.
- clama, maria, clama, que a luz é imensidão,
mas teu próprio real amor, ainda não.

Monday, June 04, 2007

Um monge no alto , bem mais alto que havia.

Ele avistava os barcos, viajantes eternos, aportarem e partirem.

o burburinho da vida displicente:

do vendedor de peixes, do estivador,
das moças à espera, sempre a esperar,
dos moleques que furtavam os restos de comida,
das cargas, testemunhas de imensidões.

o silêncio corrompia-lhe as palavras
e o fazia vagar horas a fio,
os mesmos passos renitentes...

algo havia no dia
a ser observado

e a fraternidade resguardou-lhe o encanto-mor
de integrar a paisagem
lá do alto, bem mais alto que havia.

Saturday, April 21, 2007

Doce

esta doçura,
a mim não pertence
certamente,
a outro deve dar a mão.

esta doçura
que o amor redime
deve ser por certo
como quase crime,
como o que oprime,
como a solidão.

esta doçura,
ao amor é própria,
jamais minha ou sua.

esta doçura
torna-me, assim,
entregue, nua
e vem defintiva,
vem como um clarão-

aclarar o dia
bem como eu queria
como era o dia
quando você vinha,
uma aparição.

a doçura que era minha
e era nossa, e que já não mais é
ainda que perene seja.